Treinador tetraplégico do Once Caldas vira símbolo de esperança

Quando Luis Fernando Montoya Soto, treinador do Once Caldas, recebeu a notícia da derrota para o FC Porto na final do Mundial de Clubes em 18 de dezembro de 2004, ainda não imaginava que poucos dias depois sua vida mudaria para sempre.

Na madrugada de 22 de dezembro de 2004, em sua residência na cidade de Caldas, ele foi alvejado duas vezes na coluna ao tentar proteger sua esposa, Adriana Herrera. O disparo atingiu a região entre a terceira e a quarta vértebra, fragmentando a coluna e provocando paralisia total dos quatro membros.

Os médicos, entre eles o ortopedista Ignacio González, declararam que Montoya ficaria dependente de ventilador mecânico e marcapasso para o resto da vida. Ainda assim, o treinador conseguiu falar novamente, recuperar leve movimento nas mãos e nos pés e, hoje, vive com a família em Medellín.

O feito histórico de Montoya com o Once Caldas

Antes do ataque, Montoya já havia escrito um dos capítulos mais surpreendentes do futebol sul‑americano. Depois de passar a década treinando categorias de base e comandar o Atlético Nacional em 2001‑2002, chegou ao Once Caldas em 2003. O clube, tradicionalmente mediano, ganhou o Torneio Apertura daquele ano – o primeiro título desde 1950 – e, surpreendentemente, conquistou a Copa Libertadores 2004São Paulo ao derrotar gigantes como Santos, São Paulo e Boca Juniors.

O título rendeu a Montoya o prêmio de Treinador Sul‑Americano do Ano, colocando‑o ao lado de lendas como Carlos Bianchi e Aníbal Ruiz. Apenas algumas semanas depois, o Once Caldas enfrentou o FC Porto na final do Mundial de Clubes e perdeu nos pênaltis, mas a façanha já era considerada um milagre do esporte.

O assalto que mudou tudo

O assalto ocorreu quando dois assaltantes armados invadiram a casa de Montoya por volta das 02h30. Segundo relatos de Adriana Herrera, o treinador reagiu imediatamente, tentando afastar os criminosos. “Eu ouvi o disparo e senti uma dor impossível. Pensei que fosse acabar ali”, conta Herrera, ainda emocionada.

Dois tiros acertaram a coluna, mas apenas um ficou alojado no canal medular. O cirurgião que liderou a operação, o Dr. Jairo Quintero (não confundir com o presidente do clube), descreveu o momento: “Durante a operação foi encontrada uma bala alojada em um canal medular entre a terceira e quarta vértebra, onde houve luxação e fratura. Com isso, Luis Fernando Montoya ficou tetraplégico”.

A reação do clube e da comunidade

Imediatamente após o incidente, o presidente do Once Caldas, Jairo Quintero, anunciou que o clube arcaria com todas as despesas médicas de Montoya. “Não consigo acreditar no que aconteceu. Conversei com ele ontem e ele disse que havia pedido demissão para trabalhar em Medellín”, declarou o dirigente, levantando fundos com a ajuda de sócios e torcedores.

Várias personalidades do futebol colombiano, como o técnico Francisco Maturana, visitaram Montoya na clínica de Medellín, trazendo não só apoio moral, mas também equipamentos de fisioterapia. A imprensa nacional fez um suivi diário, transformando a dor do treinador em um símbolo de resistência para todo o país.

A longa batalha pela recuperação

A longa batalha pela recuperação

Montoya passou quatro meses internado na UTI, cercado por fios, respirador e um mar de incertezas. “Acordei no hospital, cheio de fios por todos os lados, conectado a um respirador e incapaz de mover qualquer parte do meu corpo. Eu só conseguia olhar para o teto. Qual é o sentido de viver assim? Eu não parava de chorar”, lembrou o próprio treinador.

Depois de alta, iniciou um programa intensivo de reabilitação que incluía fisioterapia tradicional, hidroginástica e, a partir de 2015, tratamentos experimentais com células‑tronco. Em entrevista ao UOL Esporte, em setembro de 2018, Montoya afirmou que, após 14 anos, conseguiu ficar em pé novamente, ainda que por poucos segundos.

Hoje, embora continue dependente de cadeira de rodas, ele fala com clareza, movimenta levemente os dedos e, principalmente, mantém a voz ativa para inspirar outros. “O que me faz viver é a motivação de dar o exemplo ao meu filho. Poder dialogar, falar com ele. É poder escutar minha esposa. Graças a Deus estou vivo, e isso é o mais importante”, declarou Montoya, referindo‑se ao filho José Fernando Montoya, nascido em 2001.

Legado e lições para o futebol

O percurso de Montoya vai além das 11 linhas. Ele provou que o sucesso pode surgir de clubes pequenos, que a superação pode nascer da dor mais profunda e que a comunidade tem poder de transformar tragédias em esperança. Em entrevista ao The Coaches’ Voice, ele aconselhou profissionais de todas as áreas: “Cada um de nós pode realizar seu próprio sonho. Então, se me permite dar um conselho, seja você treinador, treinadora, ou de qualquer outra profissão, vá atrás dele. Nada deve impedi‑lo.”

Recentemente, Montoya compartilhou um desejo curioso: conversar com José Mourinho. “Estava ansioso para poder conversar com Mourinho. Tomara que, em algum momento da vida, possamos nos encontrar”, disse, revelando um lado humano que poucos conhecem.

Mesmo afastado das arquibancadas, Montoya continua presente nas discussões sobre ética, segurança e suporte a atletas lesionados. Seu caso serviu de base para a criação de protocolos de assistência a profissionais do esporte que sofrem acidentes graves, e o clube Once Caldas mantém, até hoje, um fundo de auxílio que já ajudou outros ex‑jogadores.

Perspectivas futuras

Perspectivas futuras

Com a idade de 67 anos, Montoya ainda tem planos modestos: participar de eventos motivacionais, aparecer em campanhas de conscientização sobre doenças neurológicas e, quem sabe, assumir um cargo de embaixador institucional do Once Caldas. O futuro é incerto, mas a mensagem permanece clara – a vontade de viver pode superar até a própria coluna.

Perguntas Frequentes

Como o ataque a Montoya impactou a segurança dos treinadores na Colômbia?

O incidente gerou um debate nacional sobre a vulnerabilidade de profissionais do esporte. Clubes passaram a oferecer segurança residencial e seguros de vida, além de criar protocolos de emergência em caso de violência doméstica.

Qual foi a reação da torcida do Once Caldas ao saber da condição de Montoya?

A torcida organizou campanhas de arrecadação de fundos, cobrindo despesas médicas e de reabilitação. Em 2005, milhares de torcedores se reuniram nas arquibancadas com faixas que diziam “Força, Luis”. O apoio popular se manteve ao longo dos anos.

Quais tratamentos experimentais Montoya recebeu?

A partir de 2015, Montoya foi incluído em um estudo de terapia com células‑tronco mesenquimais, realizado por um centro de pesquisa em Medellín. O objetivo era regenerar tecidos nervosos lesionados; embora os resultados sejam limitados, o tratamento ajudou a melhorar a mobilidade das mãos.

O que Montoya recomenda para quem enfrenta grandes adversidades?

Ele sugere focar no que ainda é possível controlar, como a família e a fé. “Mudar a atitude é o primeiro passo. A vida pode não ser a mesma, mas ainda há motivos para seguir em frente”, costuma dizer.

Existe alguma possibilidade de Montoya voltar a treinar profissionalmente?

A avaliação médica atual indica que o retorno ao comando de um time em tempo integral é improvável. Contudo, ele já atua como consultor tático em projetos de formação de jovens treinadores, aproveitando sua experiência sem precisar estar em campo.

1 Comment

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    Andresa Oliveira

    outubro 10, 2025 AT 23:37

    O caminho do Luis Fernando Montoya demonstra que a superação vai além do campo. Cada obstáculo pode virar inspiração para quem luta diariamente.

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