Derrite veta auxílio-reclusão para dependentes de presos de facções; votação na Câmara nesta quarta

Na noite de terça-feira, 11 de novembro de 2024, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), relator do projeto de lei antifacção, apresentou um novo texto que elimina o direito ao auxílio-reclusão para dependentes de presos envolvidos com organizações criminosas. A votação do projeto na Câmara dos Deputados está marcada para esta quarta-feira, 12 de novembro — um prazo apertado que acendeu alertas jurídicos e sociais. O benefício, pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desde 1991, garante até R$ 1.518,00 mensais a familiares de segurados de baixa renda presos em regime fechado, desde que o preso tenha contribuído por pelo menos 24 meses. Mas Derrite quer cortar esse direito — e não apenas para alguns, mas para todos vinculados a crimes de domínio territorial, uso de armas, ataques a instituições financeiras ou prisionais, e outras práticas que o projeto classifica como hediondas.

Por que esse veto é tão polêmico?

A justificativa de Derrite é direta: "O Estado não pode financiar quem afronta a lei." Ele argumenta que o auxílio-reclusão, embora legal, acaba sustentando indiretamente as estruturas de poder das facções. "Esse projeto não é contra ninguém, é a favor da lei, da ordem e da segurança dos cidadãos de bem", disse ao protocolar o texto. Mas por trás dessa linguagem de combate ao crime, há uma pergunta incômoda: e as crianças? E as mães que não tiveram escolha? O benefício é pago aos dependentes — não aos presos. E muitos desses dependentes são filhos menores, idosos ou pessoas com deficiência que não participaram de nenhum crime.

A Constituição brasileira, em seu artigo 5º, inciso XLVII, estabelece claramente o princípio da intranscendência da pena: "Nenhuma pena passará da pessoa do condenado." Esse é o cerne da contestação. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já apontaram indícios claros de inconstitucionalidade. Se o Estado pode negar auxílio-reclusão por causa do crime cometido pelo preso, onde termina a punição e começa a coletivização da culpa? Isso abre caminho para outras restrições: e se um pai for preso por furto? E se for por tráfico? E se for por um crime de menor potencial ofensivo? O critério passa a ser moral, não jurídico.

Penas duras e presídios de segurança máxima

O projeto não se limita ao auxílio-reclusão. Ele cria penas de 20 a 40 anos para integrantes de facções, milícias ou grupos paramilitares que pratiquem violência para dominar territórios, usarem armas de fogo, explosivos ou agentes biológicos, ou dificultem o acesso a serviços públicos. Para líderes ou financiadores, a pena pode ultrapassar 60 anos — quase uma sentença de prisão perpétua. Além disso, exige que os presos cumpram entre 70% e 85% da pena antes de poderem pedir progressão de regime. Isso é mais rígido do que qualquer regra vigente hoje no Brasil.

Outro ponto central: os líderes das organizações criminosas serão transferidos para presídios federais de segurança máxima. O objetivo, segundo o texto, é "interromper comunicações ilícitas e reduzir o poder de comando exercido a partir dos presídios". É uma medida simbólica e prática. Em São Paulo, por exemplo, líderes do PCC já conseguem coordenar operações de dentro da cadeia — com celulares escondidos, mensagens criptografadas e até contratos de trabalho assinados por presos. O governo quer cortar essa rede.

Guerra ao dinheiro das facções

Guerra ao dinheiro das facções

Se o projeto for aprovado, o Brasil terá um dos instrumentos mais abrangentes de combate ao financiamento do crime organizado da América Latina. O texto obriga o Banco Central (BC), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Receita Federal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) a colaborar na identificação de bens suspeitos. Poderão ser bloqueados contas bancárias, imóveis, veículos, criptomoedas, até mesmo empresas de fachada. Será possível rescindir contratos com pessoas investigadas, fazer auditorias obrigatórias e até impedir que dirigentes de facções entrem ou saiam do país.

Isso é inédito. Até agora, o combate ao crime organizado no Brasil era focado na prisão e na repressão. Agora, o Estado quer atacar o coração do sistema: o dinheiro. E não apenas em nível local — o projeto prevê a possibilidade de cooperação internacional com agências como a Interpol e o FATF (Grupo de Ação Financeira Internacional).

Um projeto que cortou polêmicas anteriores

Curiosamente, o novo texto de Derrite abandonou duas propostas que geraram forte resistência dentro do governo Lula: a alteração da Lei Antiterrorismo e a ampliação do poder da Polícia Federal (PF). Esses pontos haviam sido rejeitados por ministros como Flávio Dino e por setores da esquerda que temiam abusos de poder. Derrite, em uma manobra política, os retirou — e isso facilitou o apoio de centros moderados. Mas a aceleração do processo é alarmante. O texto foi redigido em apenas cinco dias, após negociações intensas. O ministro Alexandre de Moraes já alertou o presidente da Câmara que o projeto precisa ir além do endurecimento penal: "É preciso fortalecer o Estado no controle do sistema penitenciário e asfixiar financeiramente as organizações criminosas. Senão, é só cortar a cabeça e deixar o corpo vivo."

Qual o próximo passo?

Qual o próximo passo?

Antes da votação em plenário, o projeto precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. É lá que as questões de constitucionalidade serão discutidas. Se a CCJ aprovar, a votação no plenário acontece em até 48 horas — o que significa que, se o projeto for aprovado nesta quarta, poderá ser promulgado em poucos dias. Mas se for rejeitado na CCJ, o texto volta para o relator — ou pode ser arquivado. O que está em jogo não é só o auxílio-reclusão. É o limite entre punição e justiça. Entre segurança e direitos humanos. Entre o Estado que reprime e o Estado que protege.

Frequently Asked Questions

Quem perde o auxílio-reclusão com essa mudança?

Perdem o benefício os dependentes de pessoas presas por crimes como uso de armas de fogo, domínio territorial, ataques a instituições financeiras ou prisionais, e participação em facções criminosas. Mas o benefício é pago aos familiares — como filhos, cônjuge ou pais — que não cometeram crime algum. A mudança afeta, por exemplo, mães que vivem da renda de um filho preso por tráfico, ou idosos que dependem do auxílio de um neto.

Essa medida é constitucional?

Ministros do STF e a PGR afirmam que não é. A Constituição proíbe que a pena ultrapasse a pessoa do condenado. Negar um benefício social a um dependente por causa do crime do preso é considerado uma punição coletiva, o que viola o princípio da intranscendência. Ainda não há decisão judicial, mas o risco de o projeto ser derrubado pela Corte é alto.

Como o governo vai identificar os bens das facções?

O projeto exige cooperação obrigatória entre o Banco Central, Coaf, Receita Federal, CVM e Susep. Eles vão cruzar dados de movimentações financeiras, propriedades registradas, contratos de trabalho e até transações em criptomoedas. Também será possível exigir auditorias em empresas suspeitas e bloquear contas sem necessidade de autorização judicial prévia — o que já gerou críticas de especialistas em direito.

O que muda para os presos que já estão na cadeia?

Os presos que já recebem o auxílio-reclusão terão o benefício cortado assim que a lei for publicada. Já os que estão em regime semiaberto ou provisório, mas vinculados a crimes do projeto, não poderão mais receber. A mudança é retroativa para novos pedidos, mas não para benefícios já em curso — a menos que o STF decida o contrário.

Por que o projeto foi acelerado tanto?

A aceleração foi uma manobra política de Derrite para evitar bloqueios. Após resistência do governo Lula a versões anteriores, ele retirou os pontos mais polêmicos e apresentou um texto mais "enxuto", focado no auxílio-reclusão e no combate financeiro. A ideia é aprovar rápido, antes que a opinião pública mude ou que o STF intervenha. Mas isso aumenta o risco de erros jurídicos.

Essa medida vai reduzir a violência?

Não há garantia. Estudos da FGV e do IPEA mostram que a prisão de líderes e o corte de benefícios não reduzem a violência por si só — o que funciona é o fortalecimento da polícia, da justiça e da presença do Estado nas periferias. Sem investimento em educação, saúde e emprego, cortar o auxílio-reclusão pode piorar a pobreza e aumentar o recrutamento de jovens pelas facções.